Caso as contas de 2014 do governador Beto Richa (PSDB) sejam reprovadas pelo Tribunal de Contas do Paraná (TC), conforme recomenda o Ministério Público de Contas, não será um caso inédito. Mas isso ocorreu uma única vez na história do estado. Em 1972, o TC reprovou as contas do ano anterior do então governador por causa da contratação de empreiteiras sem licitação, desequilíbrios nos gastos e outras irregularidades. A reprovação, porém, não teve efeitos práticos. O governador Haroldo Leon Peres já havia renunciado antes do fim de 1971 – tendo ficado menos de um ano no cargo.
O relator das contas daquele ano era o atual presidente da Paranaprevidência, Rafael Iatauro . Ele foi conselheiro do TC entre 1966 e 2005. “As contas dele [Peres] só Deus poderia aprovar, porque ele fez uma bagunça. Aquela não tinha jeito, nem com 100 mil ressalvas resolvia”, relembra Iatauro. “Basta você ver a história. Ele foi indicado pelo presidente Médici, fez uma bagunça e, não passou um ano, teve que sair.”
Iatauro diz que não lembra com detalhes de todos os motivos que levaram à rejeição das contas, mas alguns dos principais eram a contratação de empreiteiras sem licitação, termos aditivos irregulares em contratos e desequilíbrio entre arrecadação e despesa. “Ele não foi cuidadoso. Ele achou que era representante da ‘revolução’ [do golpe de 64] e poderia mandar em tudo”, resume.
Leon Peres teve um mandato curto e conturbado. Indicado em março de 1971 pelo presidente Emílio Garrastazu Médici (na época, não havia eleições diretas para o cargo), o governador logo entrou em conflito com os dois principais grupos políticos da época, dos ex-governadores Ney Braga e Paulo Pimentel. A isso somou-se uma acusação grave de corrupção. O empresário Cecílio do Rêgo Almeida gravou uma conversa na qual o governador solicitava propina de US$ 1 milhão.
À época, e também em entrevistas em anos posteriores, Leon Peres negou as acusações e sempre defendeu que nunca foi processado ou mesmo investigado. Entretanto, a crise política forçou que o governador renunciasse. Quem o substituiu foi Pedro Parigot de Souza, seu vice. Como de praxe, as contas foram julgadas pelo TC no ano seguinte – e, portanto, sua rejeição não teve qualquer efeito político significativo.
Ricardo Oliveira, professor de Ciência Política da UFPR e autor do livro Genealogia do Poder Político Paranaense, diz que a queda de Leon Peres se deve mais a sua falta de enraizamento com a política tradicional paranaense do que, efetivamente, aos supostos atos de corrupção. Antes de ser governador, ele era um deputado de pouca expressão com base em Maringá, o que, na época, não era algo bem visto pela elite curitibana.
“Ele não possuía uma base de apoio na política paranaense. Foi uma indicação palaciana, do general Médici, que não consultou as principais lideranças da época”, conta o professor. Segundo Oliveira, o folclore político da época atribuía sua indicação ao fato de que ele era parceiro de carteado da primeira-dama do país, Scila Médici. No fim, a única decisão de impacto duradouro de sua breve passagem como governador foi a indicação de Jaime Lerner para a prefeitura de Curitiba – então pouco conhecido, ele teve longa carreira política.
Na época, dois conselheiros votaram pela rejeição das contas de Requião
A rejeição das contas do ex-governador Haroldo Leon Peres foi um ponto fora da curva na história do Tribunal de Contas do Paraná (TC). Não só a rejeição é rara; o simples fato de um único conselheiro votar contra a aprovação é algo que não acontece com frequência. Nos últimos 20 anos, isso aconteceu em apenas uma oportunidade: os conselheiros Heinz Herwig e Jaime Lechinski votaram, em 2010, pela rejeição das contas de 2009 do governador Roberto Requião (PMDB).
À época, o relator das contas, Fernando Guimarães, votou pela aprovação com ressalvas. Herwig apresentou voto em separado, sugerindo a reprovação total. “Fizemos ressalvas. Mas os problemas não foram resolvidos. Depois fizemos recomendações. Passamos a fazer determinações. Mas ainda não houve solução”, disse o conselheiro, à época. Entretanto, apenas Lechinski votou com Herwig. Os conselheiros Nestor Baptista, Artagão de Mattos Leão e Caio Soares seguiram o voto de Guimarães.
Reportagem da Gazeta do Povo mostrou que o governo de Beto Richa (PSDB) descumpriu, em 2014, 72,4% das ressalvas, determinações e recomendações feitas pelo TC relativas às contas de 2013. O dado consta em instrução da Diretoria de Contas Estaduais (DCE) – que recomendou a aprovação com ressalvas das contas. Há, ainda, um parecer do Ministério Público de Contas pedindo a reprovação do balanço financeiro de 2014.
Entretanto, isso não chega a ser novidade: nos últimos dez anos, em sete a recomendação dos procuradores do tribunal foi pela rejeição das contas, cinco delas de Requião e duas de Richa.
Na prática, entretanto, é pouco provável que as contas sejam rejeitadas. A DCE, principal responsável pela análise das contas do governo, e a Diretoria Jurídica do TC recomendaram a aprovação com ressalvas das contas de 2014.
Além disso, politicamente, o governo conta com aliados importantes no pleno do TC. Dois conselheiros participaram do governo Richa– o relator Durval Amaral, ex-secretário-chefe da Casa Civil; e o presidente Ivan Bonilha, ex-procurador-geral do Estado. O filho de Artagão, Artagão Jr., é deputado da base aliada do governo – assim como foi o conselheiro Fabio Camargo antes de ser eleito para o tribunal.
Em 2010, o cenário era bastante diferente. Herwig foi indicado para o cargo pelo ex-governador Jaime Lerner, desafeto histórico de Requião. Já Lechinski era técnico do tribunal e ocupava a vaga provisoriamente – o titular era ninguém menos que Maurício Requião, irmão do governador, até hoje afastado do TC. (CM)
Fonte: Gazeta do Povo, 1 de novembro de 2015