por Fernando Jasper
A reforma trabalhista tem sido discutida a partir de pontos de vista extremos. Os que se opõem às mudanças dizem que elas vão acabar com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a proteção dos trabalhadores. Na ponta oposta, o governo alardeia que a chamada modernização vai gerar 5 milhões de empregos.
O mais provável é que nada disso aconteça. O que a reforma pode fazer é dar mais segurança jurídica às relações de trabalho, melhorando o ambiente de negócios e reduzindo parte do custo de pessoal das empresas. Mais especificamente, o custo decorrente de decisões judiciais que anulam acordos firmados com os empregados.
“Pela legislação atual, todo contrato de trabalho no Brasil é falso, porque quando a relação de trabalho termina as cláusulas podem ser totalmente renegociadas na Justiça do Trabalho. O empresário nunca sabe quanto custa um trabalhador”, diz José Márcio Camargo, economista da Opus Gestão de Recursos e professor da PUC-Rio. “Ao definir alguns pontos que não podem ser modificados pela Justiça, a reforma diminui um pouco essa incerteza.”
O projeto, que está sendo analisado por uma comissão especial da Câmara dos Deputados, mexe em três pontos da legislação: contratos temporários, trabalho em tempo parcial e negociações coletivas.
A duração máxima do contrato temporário passaria dos atuais 90 dias (prorrogáveis por 90) para 120 dias (prorrogáveis por 120). A jornada de trabalho em tempo parcial também seria ampliada, de 25 para até 30 horas semanais, ou então 26 horas, com até seis horas extras.
O ponto mais polêmico diz respeito aos acordos e convenções coletivas. O governo quer deixar explícito em lei que a Justiça deve respeitar as cláusulas negociadas entre trabalhadores (por meio de seus sindicatos) e empresas (diretamente ou via sindicatos patronais). A Constituição já determina que o Judiciário reconheça as convenções coletivas, mas os tribunais costumam anular dispositivos que contrariem a CLT.
Essa prevalência do negociado sobre o legislado não valeria para todo o contrato, mas para 13 pontos, entre eles campeões de ações trabalhistas como o intervalo para almoço, que poderia baixar de uma hora para 30 minutos, e a contagem do tempo quando o empregador fornece o transporte até o trabalho.
Para o economista José Roberto Savoia, professor da USP, as regras propostas podem ajudar as empresas a fazer ajustes pontuais e preservar empregos em momentos de crise. Mas não diminuem o custo da formalização nem vão criar milhões de postos de trabalho, como promete o governo. “A mudança de uma regra trabalhista não tem o condão de gerar uma quantidade tão grande de empregos”, diz.
O deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), relator da reforma trabalhista na Câmara, quer incluir no texto dois temas que ficaram de fora da proposta do governo: o trabalho a distância, que ele chama de “teletrabalho” e muitos conhecem por “home office”; e a jornada intermitente, em que não há horário fixo e o empregado pode receber por hora trabalhada.
Mudanças na legislação têm pouco impacto sobre nível de emprego, diz Banco Mundial
por Fernando Jasper
Logo na primeira audiência pública da Câmara dos Deputados sobre a reforma trabalhista, há duas semanas, o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, disse que a proposta pode criar até 5 milhões de empregos no médio e longo prazo. E o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Martins Filho, afirmou que sem reforma o desemprego crescerá e “podemos caminhar a tal ponto que vamos rumo à Venezuela”.
Estudo publicado em 2013 pelo Banco Mundial desautoriza essas conclusões. “Os efeitos estimados [da legislação trabalhista] revelam-se modestos na maioria dos casos – certamente mais modestos do que a intensidade do debate poderia sugerir”, afirma o capítulo sobre empregos do “Relatório de Desenvolvimento Mundial 2013”.
Dependendo do caso, o impacto da regulação pode ser ligeiramente positivo ou negativo para o mercado de trabalho. Mas, de forma geral, não é determinante. Embora afirme que intervenções excessivas ou insuficientes possam ter efeitos negativos sobre a produtividade, o Banco Mundial conclui que as políticas e instituições trabalhistas não são nem o principal obstáculo nem a “pílula mágica” para gerar bons empregos e desenvolvimento na maioria dos países.
Em geral, a geração de empregos é mais associada à atividade econômica e à evolução da produtividade. No Brasil, por exemplo, o setor privado criou quase 18 milhões de empregos formais entre 2002 e 2014 sem que tenha havido uma mudança relevante na legislação trabalhista.
A proposta de dar força de lei às negociações coletivas é criticada por muitos sindicatos, procuradores e juízes. Mas também tem defensores na própria Justiça do Trabalho. “Não sou eu, não é um desembargador, não é um ministro de tribunal superior quem sabe o que é melhor para o trabalhador do comércio de Curitiba, ou de São Paulo, ou de Mossoró. O que o Judiciário deve fazer é coibir abusos”, disse o juiz do Trabalho Marlos Melek à Gazeta do Povo no ano passado, ao defender que empresas e trabalhadores decidam juntos como se dará suas relações.
A reforma trabalhista proposta pelo governo não trata da terceirização. O assunto é tema de projetos que podem ser votados em breve, um na Câmara e outro no Senado. Ao que tudo indica, terá prioridade o texto que está na Câmara, que permite a terceirização plena, incluindo a atividade-fim da empresa. Se aprovado, ele vai direto para a sanção do presidente Michel Temer.
Fonte: Gazeta do Povo, 2 de março de 2017.