Um anúncio de jornal, em Belém do Pará, provocou nesta semana um debate nacional sobre o quanto é preciso avançar na conscientização dos brasileiros sobre os direitos da infância e da adolescência e a necessidade de combate ao trabalho infantil.

A juíza Maria Zuíla Lima Dutra, da 5ª Vara do Trabalho de Belém, que integra a Comissão para Erradicação do Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho (CETI), escreveu um artigo, que publicamos a seguir, para destacar os desafios que cercam o assunto.


Desde o episódio, no último final de semana, foi relatado pelo menos mais um caso no Pará de anúncio para "adoção" de criança ou adolescente, menina, que more e cuide de filho pequeno de um casal.


Confira a íntegra do artigo.

 

TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO CAUSA INDIGNAÇÃO EM BELÉM

 

 

 

Deus, oh! Deus em que mundo tu te escondes? Senhor Deus dos desgraçados, dizei-me Vós, Senhor Deus, se é loucura, se é verdade, tanto horror perante os céus!

 

Castro Alves

 

 

 

Neste fim de semana a cidade de Belém foi surpreendida com mais uma notícia escandalosa envolvendo trabalho infantil doméstico, por meio do anuncio de um casal, publicado no Classificado de um jornal local, dizendo que “precisa adotar uma menina de 12 a 18 anos... para cuidar de uma bebe de 1 ano”. 

 

 

 

Trata-se de chamado para uma das piores formas de trabalho infantil, elencada na Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho e no Decreto 6.481, de 12 de junho de 2008, da Presidência da República.

 

 

 

O anúncio tem semelhança com os chamados de trabalhadores escravos que eram feitos na época do Brasil colônia, o que constitui abusiva e inaceitável afronta aos direitos humanos. Esse triste episódio nos mostra que a CONSCIENTIZAÇÃO DA SOCIEDADE é uma das maiores barreiras a se enfrentar na luta pela erradicação do trabalho infantil, pois enquanto existirem pessoas que pensam como o casal do anúncio, essa perversa chaga social vai continuar.

 

 

 

Não é por acaso que o Pará foi o único Estado da federação que teve o índice de trabalho infantil doméstico elevado no último censo do IBGE. Como sabemos, é uma questão cultural que precisa ser modificada, urgentemente, até porque a cultura deve ser entendida como algo benéfico à sociedade; se não traz benefícios, não é cultura.

 

 

 

Está na hora de formarmos uma união cívica, onde ninguém pode ficar indiferente a essa cruel realidade que ceifa a infância e, consequentemente, compromete o futuro de nossas crianças. Somos todos chamados para transformar em atos a nossa indignação, pois o trabalho infantil perpetua a pobreza e compromete o nosso futuro como nação civilizada e como cidade civilizada.

 

 

 

Combater essa chaga talvez seja uma das grandes tarefas morais, éticas e sociais que compete a cada um de nós. É um imperativo moral, sim, pois as crianças representam o segmento mais vulnerável e indefeso de nossa sociedade. É neste sentido que a Declaração dos Direitos da Criança afirma em seu preâmbulo que “à criança a humanidade deve prestar o melhor de seus esforços”.
 

 

Maria Zuíla Lima Dutra

Belém, 03/05/2015

Fonte: TRT9, 07 de maio de 2015