Persiste na mídia especializada a memória de uma só política como causadora de um fenômeno tão complexo quanto a desindustrialização.
Fonte: GGN
Data original da publicação: 13/09/2022
Se há algo que incomoda muito no jornalismo econômico é a tendência de explicar os fatos como tendo uma só causa. Se nas ditas ciências exatas, é preciso supor condições ideais de temperatura e pressão, nas ciências sociais, que englobam a Economia, a multiplicidade de variáveis é ainda mais gritante. Daí Léon Walras ter introduzido, mesmo que indiretamente, a ideia de modelo. Trata-se da seleção das variáveis mais importantes, ou mais significativas, na construção de um fato. Mesmo assim, reconhece-se que não é possível abranger todos os ângulos e dá-se o nome de “Ceteris paribus” (para o resto parado). Essa técnica espalhou-se por todas as ciência. Cada uma lida com suas formas de construção de modelos, bem como de testar sua aderência com a realidade. É a Medicina por evidências, é a Geologia deduzindo o que está por baixo da terra e assim por diante. O próprio pré-sal foi descoberto via modelos matemáticos desenvolvidos pelos cientistas da Petrobras.
A mídia trata os acontecimentos, em âmbito econômico, como equações com uma só variável. Se há corrupção na Petrobras e ela é estatal, que se privatize; se há uma perspectiva de aumento na inflação, que se tomem medidas contracionistas, tudo muito fácil, tudo muito simples. Ora, se simplório é o indivíduo que tem uma visão reducionista do mundo que o cerca, a imensa maioria dos profissionais do jornalismo é simplória. Um exemplo disso o enunciado da pergunta, na sabatina de 12 de setembro na CNN, ao candidato Lula. Foi sobre como o ele se comportaria diante da necessidade de aumentar gastos, ao mesmo tempo em que o cenário inflacionário a ser herdado pelo presidente eleito requer medidas contracionistas. Não se discute o motivo da provável inflação antes de pressupor que somente medidas contracionistas serão capazes de preservar a moeda.
Da mesma forma, criou-se o mito de que tenha sido a âncora cambial do primeiro mandato de FHC a responsável pela desindustrialização do país. Será que não ouve mais motivos? Será que a âncora cambial foi o maior deles? Em História diz-se que o distanciamento seja capaz de isentar de paixões a visão a partir do presente. Pode não ser o caso. Passados quase trinta anos e persiste na mídia especializada a memória de uma só política como causadora de um fenômeno tão complexo quanto a desindustrialização. Aqui serão elencados dez, alguns internos, alguns externos.
Como demonstrado no quadro 1 do penúltimo capítulo da série sobre economia comparada, o valor do PIB nominal sobre o em paridade do poder de compra subiu de 21,73% para 27,79%, denotando uma valorização relativa do real em 30%, o que é muito para quem está despreparado para produzir a custos competitivos. Por outro lado, aos olhos do investidor estrangeiro, essa valorização do real foi altamente atrativa, mantendo o influxo de moeda estrangeira no período. Resumindo, sim, a âncora cambial foi má para a indústria nacional; não, não foi ela que desindustrializou o país. Os outros nove motivos são de muito mais longo prazo e de muito mais difícil reversão, como demonstra a História. O mito da âncora cambial deve ser combatido para evidenciar os demais motivos.
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.
DMT: https://www.dmtemdebate.com.br/desindustrializacao-um-problema-de-variaveis-multiplas/