Fabriccio Mattos do Nascimento
A ditadura militar no Brasil prejudicou os direitos trabalhistas, com repressão sindical e precarização do trabalho. O filme Ainda Estou Aqui resgata a resistência e a importância de refletir sobre esse legado.
Este artigo analisa os impactos da ditadura militar brasileira (1964-1985) nos direitos trabalhistas, abordando a repressão sindical, a supressão de garantias constitucionais e a restrição ao direito de greve. A partir de uma perspectiva histórica e jurídica, examina o enfraquecimento da organização dos trabalhadores, a centralização estatal e a precarização do trabalho. Além disso, dialoga com o filme Ainda Estou Aqui, vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional, que resgata memórias de resistência e reforça a importância de revisitar o passado para compreender seus reflexos nas relações laborais atuais.
1. Introdução
O período da ditadura militar no Brasil (1964-1985) foi marcado por profundas transformações políticas, econômicas e sociais, com reflexos significativos nas relações de trabalho. O regime autoritário, ao buscar consolidar seu poder, implementou medidas que restringiram direitos fundamentais dos trabalhadores, fragilizaram a autonomia sindical e promoveram a precarização das condições laborais. Este artigo tem como objetivo analisar os impactos negativos da ditadura militar sobre os direitos trabalhistas, com enfoque na repressão sindical, na supressão de garantias constitucionais e na restrição ao direito de greve. Adicionalmente, o texto dialoga com a produção cinematográfica "Ainda Estou Aqui", vencedora do Oscar de Melhor Filme Internacional, que resgata memórias de resistência e sobrevivência, oferecendo uma perspectiva cultural sobre o legado autoritário e sua influência na sociedade contemporânea.
2. O contexto histórico e jurídico da ditadura militar
A ditadura militar no Brasil foi instaurada em 1964, com o golpe que depôs o presidente João Goulart. O regime, que se autodenominava "Revolução de 1964", justificou sua ascensão como uma resposta à ameaça comunista e à instabilidade política. No entanto, a partir de 1968, com a edição do AI-5 - ato institucional, o regime adotou medidas ainda mais repressivas, suspendendo garantias constitucionais e intensificando a perseguição política.
No âmbito trabalhista, uma das primeiras medidas do governo militar foi a edição do AI-1 - Ato Institucional 1, em 9/4/64, que permitiu a cassação de mandatos parlamentares e a suspensão de direitos políticos, criando um ambiente propício para a repressão a movimentos sociais e sindicais. O AI-5 - Ato Institucional 5, de 13/12/68, aprofundou a repressão ao eliminar o direito ao habeas corpus para crimes políticos, além de ampliar os poderes do Executivo e institucionalizar a censura.
3. A repressão sindical e a restrição ao direito de greve
A ditadura militar promoveu uma política de controle estatal sobre as entidades sindicais, intervindo diretamente em sua organização e funcionamento. A partir de 1964, dirigentes sindicais passaram a ser nomeados pelo Ministério do Trabalho, resultando na cooptação de lideranças alinhadas ao governo e no enfraquecimento da autonomia sindical. Essa política de intervenção foi reforçada por medidas como a lei de greve (lei 4.330/1964), que restringiu o direito de greve ao subordiná-lo ao interesse nacional. Além disso, a lei de segurança nacional (lei 6.620/1978) criminalizava atos considerados subversivos, incluindo manifestações políticas e sindicais que fossem contrárias à ordem pública. Dessa forma, o direito de greve, embora mencionado na CLT - Consolidação das Leis do Trabalho de 1943, tornou-se praticamente inexistente sob o regime militar.
4. A política de arrocho salarial e a precarização das condições de trabalho
A política econômica do regime militar, conhecida como "milagre econômico" (1968-1973), promoveu um crescimento acelerado da economia, mas às custas da desvalorização dos rendimentos dos trabalhadores. A política de arrocho salarial, implementada por meio de reajustes abaixo da inflação, corroeu o poder de compra da população e precarizou as condições de trabalho. Além disso, as demissões arbitrárias se tornaram comuns, sem que houvesse mecanismos eficazes de proteção contra retaliações políticas no ambiente de trabalho.
5. A redemocratização e a reconstrução dos direitos trabalhistas
Apenas no final do regime militar, com a lei 6.708/1979, de 30/10/1979, que estabeleceu regras para o reajuste salarial, e com a lei da anistia (lei 6.683/1979), de 28/8/1979, algumas tentativas de reparação foram feitas. Entretanto, a plena reconstrução dos direitos trabalhistas e sindicais só começou a ganhar força com o processo de redemocratização e a promulgação da CF/88. A nova Carta Magna garantiu novamente o direito de greve, a liberdade sindical e mecanismos de proteção ao trabalhador, marcando um novo capítulo na história dos direitos trabalhistas no Brasil.
6. O legado da ditadura e o diálogo com o cinema
O legado da ditadura militar no Brasil demonstra a importância da preservação das liberdades democráticas para a efetivação dos direitos sociais e trabalhistas. Reflexões contemporâneas sobre esse período podem ser enriquecidas com o impacto cultural de produções como "Ainda Estou Aqui", filme brasileiro recentemente premiado com o Oscar de Melhor Filme Internacional. A narrativa do filme, que resgata memórias de resistência e sobrevivência, reforça a necessidade de revisitar o passado para compreender as marcas deixadas por regimes autoritários e sua influência nas estruturas sociais e trabalhistas atuais.
A conquista histórica do Oscar para o Brasil com "Ainda Estou Aqui" não só celebra o talento do cinema nacional, mas também evidencia a importância de histórias que questionam e denunciam injustiças, mantendo viva a luta por direitos fundamentais e justiça social. O filme, ao retratar a resistência contra a opressão, oferece uma perspectiva cultural sobre o legado autoritário e sua influência na sociedade contemporânea, reforçando a relevância de se discutir os impactos da ditadura militar no presente.
7. Conclusão
A ditadura militar no Brasil representou um período de grave retrocesso nos direitos trabalhistas, marcado pela repressão estatal, pela precarização das condições de trabalho e pela fragilização das instituições que deveriam proteger os trabalhadores. O legado desse período demonstra a importância da preservação das liberdades democráticas para a efetivação dos direitos sociais e trabalhistas. A produção cinematográfica "Ainda Estou Aqui", ao resgatar memórias de resistência e sobrevivência, reforça a necessidade de revisitar o passado para compreender as marcas deixadas por regimes autoritários e sua influência nas estruturas sociais e trabalhistas atuais. A conquista do Oscar pelo filme não só celebra a arte cinematográfica brasileira, mas também ressalta a importância de narrativas que preservam a memória histórica e inspiram a luta por justiça social.
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1 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
2 BRASIL. Decreto-Lei nº 200/1967.
3 BRASIL. Lei nº 4.330/1964 (Lei de Greve).
4 BRASIL. Lei nº 6.620/1978 (Lei de Segurança Nacional).
5 BRASIL. Lei nº 6.683/1979 (Lei da Anistia).
6 BRASIL. Lei nº 6.708/1979 (Reajuste Salarial).
7 AINDA ESTOU AQUI. Direção: Walter Salles. Brasil, 2025. Filme
Fabriccio Mattos do Nascimento
Coordenador Trabalhista em Capanema & Belmente Advogados. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).