Ocorre que, em alguns casos, juízes impõem aos empregadores uma lógica borgeana e contraditória: exigem que tenham cumprido, no passado, obrigações que apenas se tornaram juridicamente relevantes no futuro. Decisões que invalidam pedidos de demissão de gestantes pela ausência de assistência sindical, mesmo quando a gravidez era desconhecida, ou que anulam acordos de compensação de jornada a partir do reconhecimento tardio da insalubridade, seguem essa linha de pensamento. Elas criam um cenário em que a Justiça não apenas julga fatos, mas os reinventa à luz de elementos que não existiam no momento da conduta questionada.
Se o Direito for conduzido dessa maneira, os empregadores não estarão mais sujeitos a regras jurídicas claras, mas sim a uma forma de arbitrariedade em que suas ações passadas serão interpretadas com base em realidades futuras que sequer poderiam ser antecipadas. Isso não é apenas irracional; é profundamente injusto.
A Justiça do Trabalho, em sua missão de equilibrar as relações entre empregadores e empregados, muitas vezes envereda por caminhos que desafiam não apenas a lógica jurídica, mas também a noção básica de previsibilidade e segurança nas relações laborais.
Dois exemplos ilustram de forma emblemática essa tendência preocupante: (1) a anulação retroativa de pedidos de demissão de gestantes sob a justificativa da ausência de assistência sindical e (2) a invalidação de acordos de compensação ou prorrogação de jornada a partir do reconhecimento tardio da insalubridade da atividade.
Ambas as situações demonstram um fenômeno cada vez mais comum nas decisões trabalhistas: a aplicação de uma espécie de futurologia judicial, em que o empregador é cobrado por não ter agido com base em fatos que sequer eram conhecidos no momento da decisão empresarial.
O artigo 500 da CLT exige que um pedido de demissão seja assistido pelo sindicato quando o contrato tiver mais de um ano de duração. O propósito dessa exigência é claro: garantir que o trabalhador não seja coagido a pedir demissão em prejuízo de seus direitos. No entanto, algumas decisões judiciais têm levado essa norma a uma aplicação absurda quando se trata de gestantes.
Não é raro encontrar julgados que invalidam pedidos de demissão de empregadas gestantes simplesmente porque não houve assistência sindical, mesmo quando:
– O pedido de demissão foi voluntário e legítimo.
– Nem a empregada nem a empresa tinham conhecimento da gravidez no momento da rescisão.
Essa interpretação leva à seguinte contradição lógica: a empresa deveria ter providenciado a assistência sindical para validar um pedido de demissão sem sequer saber que a empregada estava grávida. Em outras palavras, exige-se que o empregador tenha adotado uma conduta no passado com base em um fato que apenas se tornaria conhecido no futuro.
Essa postura decisória lembra o enredo de Minority Report de Spielberg. No clássico do cinema, policiais previam crimes antes mesmo de serem cometidos e puniam seus autores antes que tivessem qualquer intenção de agir.
No mundo jurídico, esse tipo de ficção não pode ter lugar: o Direito não pode impor ao empregador a obrigação de agir com base em uma realidade desconhecida à época da tomada de decisão. Isso viola frontalmente o princípio da segurança jurídica e gera um cenário em que o passado é reinterpretado à luz de fatos supervenientes, sem qualquer razoabilidade.
O segundo ponto de crítica refere-se à invalidade de acordos de prorrogação ou compensação de jornada quando, posteriormente, em uma reclamação trabalhista, se reconhece que a atividade era insalubre e, por isso, a empresa deveria ter solicitado autorização prévia do Ministério do Trabalho, conforme o artigo 60 da CLT.
Esse tipo de decisão padece do mesmo vício da anterior: retroativamente, impõe ao empregador a obrigação de ter cumprido um requisito formal que, no momento da pactuação do acordo, não se aplicava à sua realidade. Se o próprio empregador não entendia que a atividade era insalubre – e, de fato, continua não entendendo, tanto contestando, impugnando laudos e recorrendo de decisões –, como poderia ter solicitado uma autorização para algo que sequer era considerado necessário à época?
A legislação é expressa ao afirmar que a ausência de requisitos formais para a compensação de jornada não implica a repetição do pagamento das horas extras, salvo se ultrapassada a jornada semanal máxima. No entanto, decisões têm imposto um pagamento integral, desconsiderando a previsão expressa da CLT.
A lógica aplicada nesse tipo de julgamento é similar à da reversão de justa causa com imposição da multa do artigo 477 da CLT. Se a empresa dispensou um empregado por justa causa e pagou todas as verbas rescisórias cabíveis, não pode ser condenada a pagar uma multa simplesmente porque, anos depois, uma decisão judicial alterou o enquadramento da dispensa.
O que se exige nesses casos é que os empregadores tivessem sido “prediletivos”, antecipando decisões futuras da Justiça do Trabalho e tomando medidas que, na época, não tinham qualquer respaldo jurídico.
A lógica da Justiça do Trabalho, em muitas decisões, tem caminhado na contramão do próprio Direito. O que se observa é uma insistência em impor aos empregadores uma responsabilidade retroativa, baseada em fatos que, à época da tomada de decisão, eram desconhecidos ou sequer se configuravam juridicamente.
A previsibilidade é um elemento essencial para a segurança das relações jurídicas.
Assim, quando decisões judiciais impõem obrigações retroativas, sem que houvesse qualquer possibilidade razoável de o empregador conhecê-las ou antevê-las, rompe-se com um dos pilares fundamentais do Estado de Direito: a vedação da responsabilização por fatos imprevisíveis.
Se essa lógica for levada às últimas consequências, a Justiça do Trabalho se tornará um tribunal da ficção, em que empregadores serão punidos não por suas condutas reais, mas por sua incapacidade de prever o futuro.
Esse caminho não apenas é injusto, mas também gera um ambiente de total insegurança para aqueles que empregam e sustentam a economia. É hora de abandonar a futurologia judicial e retomar o compromisso com a racionalidade das decisões.
Decidir com base no passado é Direito. Decidir o passado com base no futuro é ficção. A Justiça do Trabalho tem imposto condenações que exigem dos empregadores algo impossível: prever fatos desconhecidos e agir como se já soubessem o desfecho de eventos futuros. Da invalidade retroativa do pedido de demissão de gestantes ao reconhecimento tardio de insalubridade para anular acordos de jornada, essa lógica absurda compromete a segurança jurídica e transforma o Direito em um exercício de adivinhação.
é advogado e coordenador do departamento trabalhista do escritório Camilotti Castellani Haddad Dellova Crotti Advogados, professor da PUC-Campinas e mestrando em Direito do Trabalho na PUC-SP, graduado em Direito pela PUC-Campinas e pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela mesma instituição.
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