Daniel Augusto de Souza Rangel
O artigo analisa as tendências globais de forma de trabalho, com ênfase na necessidade de mais qualidade de vida e fixação de regras claras sobre direitos e obrigações dos envolvidos.
Desde as revoluções industriais dos séculos 18 e 19, o trabalho permanece ocasionando transformações profundas e aceleradas, marcado pelos avanços tecnológicos e recentemente a nova perspectiva sobre qualidade de vida. Vivenciamos ao longo do tempo diferentes modalidades de trabalho, como os tradicionais de forma presencial e home office.
Com o enorme desenvolvimento tecnológico, especialmente nas áreas das telecomunicações e informática, bem como necessidade de mais qualidade de vida, sem abdicar da eficiência, surgiram novos formatos de atuação profissional, como chronoworking, workcation e os chamados formatos híbridos.
Tais formatos derivam do trabalho home office que, de forma geral, refere-se à modalidade de trabalho em que o empregado realiza suas atividades geralmente em sua residência, utilizando recursos tecnológicos e de comunicação.
O chronoworking permite que os envolvidos reorganizem os horários de trabalho, possibilitado que o empregado escolha horários mais flexíveis e ajustados às suas rotinas e momentos de maior produtividade pessoal. Tal modalidade valoriza o quando o trabalho é realizado, permitindo que o colaborador adapte as atividades ao seu próprio ritmo, ou seja, no período que ele se sente mais produtivo (matutino, vespertino ou noturno).
Apesar de recentes pesquisas constar que tal flexibilidade ajuda na dinâmica do colaborador, contribuindo para o aumento da produtividade e melhora da qualidade de vida, tal modelo exige das partes envolvidas uma mudança de cultura, com elaboração de políticas internas claras sobre sua utilização.
Já a workcation, termo que combina trabalho e viagens de lazer, oferece uma abordagem inovadora, onde é permitido que o funcionário trabalhe enquanto aproveita para realizar uma viagem inesquecível sozinho ou familiar. Nesse sentido, o importe é entender que tal modalidade valoriza o local que o trabalho é realizado, sem deixar de garantir, também, maior flexibilidade e qualidade de vida.
Diante das particularidades desse modelo, muitos países já autorizam que os envolvidos solicitem o visto para nômades digitais, com fixação de regras de tempo de permanência e remuneração, por exemplo. Isso é uma realidade na Espanha, Itália e Portugal, por exemplo.
Os formatos híbridos, por sua vez, representam a combinação dessas modalidades - presencial, remoto, flexível - oferecendo maior flexibilidade e capacidade de adaptação às necessidades tanto dos trabalhadores quanto das empresas. Essa flexibilidade tem se mostrado uma tendência forte e constante nas relações de trabalho atuais.
Embora os benefícios dessas novas formas de atuação sejam evidentes, é importante destacar que sua adoção, assim como a escolha entre uma ou outra, deve considerar os interesses e necessidades de cada parte envolvida. Não há dúvida de que essas modalidades não representam apenas o futuro, mas o presente do trabalho.
No entanto, com essa diversidade de modelos, surgem também questões jurídicas relevantes. A implementação de diferentes modalidades levanta importantes debates sobre regras legais - saúde e segurança do trabalho, jornada de trabalho e responsabilidades civis, por exemplo. Essas questões exigem atenção cuidadosa dos empregadores, empregados e do poder público para garantir que a inovação não prejudique os direitos de nenhum dos lados.
Apesar de a legislação trabalhista brasileira estabelecer regras para o teletrabalho (arts. 75-A a 75-F da CLT, por exemplo), limites de duração de jornada (art. 7º, inciso XIII da CF e 58 da CLT), pagamento de adicional noturno para trabalhos das 22h00 às 05h00 (art. 73 da CLT - regra geral), o intervalo mínimo de 11 horas entre jornadas (art. 66 da CLT), o direito ao descanso semanal (art. 67 da CLT) e às férias anuais (art. 129 da CLT), dentre outras, é fundamental que haja um acompanhamento contínuo dessas novas modalidades de trabalho. Somente assim é possível assegurar que as normas se ajustem às inovações laborais, promovendo ambientes de trabalho seguros, saudáveis e justos para todos.
Essa adaptação legislativa não é apenas uma questão de conveniência, mas uma obrigação legal. Ela visa evitar dúvidas e conflitos para trabalhadores e empregadores, principalmente em relação a pontos essenciais como:
O empregador é responsável pela segurança do local de trabalho quando o empregado desempenha suas atividades no sistema workcation?
Se o local escolhido pelo empregado - por exemplo, uma casa na praia ou na montanha - sofre um deslizamento de terra e o funcionário se machuca, a empresa pode ser responsabilizada?
No caso de uma modalidade como o workcation, se o empregado é vítima de uma agressão verbal, por exemplo, por algum funcionário do hotel, a empregadora pode ser responsabilizada?
No sistema de chronoworking, cabe ao empregado provar que trabalhou além do horário, mesmo sem controle rígido de jornada por parte da empresa?
E em relação à Justiça do Trabalho: qual é o foro competente para julgar conflitos envolvendo empregados que atuam em diferentes locais? Todas as varas do Trabalho onde o empregado trabalhou, no sistema de trabalho workcation, são competentes?
Em resumo, por estarmos construindo um novo cenário, com modelos que unem inovação e bem-estar, é fundamental que o Estado regulamente essas novas formas de trabalho.
Diante, contudo, das incertezas sobre diversos pontos, o adequado é que as partes envolvidas fixem regras, com direitos e obrigações reciprocas, com a finalidade de minimizar riscos futuros. Assim, garantimos que trabalhadores, empregadores e operadores do direito tenham um amanhã mais flexível, saudável e seguro - inclusive sob a ótica jurídica.
Daniel Augusto de Souza Rangel
Formado na Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU. Pós Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Sócio do escritório Rodrigues Jr. Advogados.
MIGALHAS
https://www.migalhas.com.br/depeso/431343/futuro-do-trabalho-chronoworking-workcation-ou-hibrido