A prova testemunhal ocupa posição central no processo do trabalho. Em um ambiente marcado pela informalidade das relações laborais e pela limitação de documentos que retratem a integralidade da dinâmica contratual, a palavra das testemunhas é frequentemente a principal via de reconstrução dos fatos em juízo. A credibilidade desse meio de prova, contudo, exige que os depoimentos sejam prestados por pessoas dotadas de isenção de ânimo, sob pena de comprometer a higidez do processo.

Durante anos, discutiu-se se empregados que ocupassem cargos de confiança ou funções de gerência poderiam, ou não, testemunhar com imparcialidade. Diversos Tribunais Regionais do Trabalho, a partir de uma presunção de parcialidade, afastavam automaticamente tais testemunhas, entendendo que sua posição hierárquica dentro da empresa bastava para comprometer a neutralidade. Outra corrente jurisprudencial, contudo,  sustentava que o simples exercício de função de confiança não caracterizava a suspeição, exigindo-se prova concreta de ausência de isenção.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST), ao julgar recursos repetitivos, pacificou a questão no Tema 307, fixando a seguinte tese vinculante: “O exercício de cargo de gerência ou de função de confiança, por si só, não implica a suspeição da testemunha, salvo se demonstrada ausência de isenção de ânimo ou poderes equiparados aos do empregador.” A decisão afastou a ideia de que todo gerente ou ocupante de função de confiança seja, automaticamente, inapto a depor, mas preservou a possibilidade de contradita, quando houver elementos objetivos que indiquem comprometimento da imparcialidade.

Princípios constitucionais da ampla defesa

O fundamento é coerente com os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LV, da CF), que garantem às partes o direito de produzir provas em Juízo. A exclusão automática, baseada em presunção absoluta, comprometeria o exercício do direito de defesa e restringiria a possibilidade de alcançar a verdade real. Soma-se a isso o princípio do livre convencimento motivado, insculpido no artigo 371 do CPC, segundo o qual o juiz deve valorar as provas de acordo com sua convicção, desde que fundamentada. Afastar testemunhas sem exame concreto da sua imparcialidade contraria esse mandamento.

É certo, todavia, que a posição ocupada pelo empregado pode, em alguns casos, comprometer sua neutralidade. Isso ocorre quando se trata de gestor que exerce poderes amplos de mando e gestão, equivalentes aos do empregador, com autonomia para contratar e demitir, gerir orçamento e representar a empresa. Nesses casos, a exclusão do depoimento encontra fundamento na própria tese do TST. O que se rejeita é a generalização, não a análise caso a caso.

A doutrina já apontava para essa necessidade de distinção. Maurício Godinho Delgado enfatiza que nem toda função classificada como de confiança confere ao empregado poderes de gestão efetivos, devendo o intérprete atentar para a real extensão da autonomia concedida. Vólia Bomfim Cassar sustenta que a imparcialidade deve ser aferida a partir da participação concreta do empregado na gestão da empresa, e não apenas pelo título do cargo. Mauro Schiavi acrescenta que a suspeição deve ser examinada de acordo com as circunstâncias objetivas de cada caso, evitando soluções automáticas.

Prática oferece caminhos para as testemunhas

A prática forense já oferece exemplos que ilustram a aplicação da tese. O coordenador que supervisiona metas e equipes, mas não detém poderes de contratação ou dispensa, não deve ser automaticamente afastado. O diretor regional com plena autonomia para gerir orçamento e pessoal pode, legitimamente, ser considerado suspeito. E, nos casos em que a contradita se limita a alegações genéricas, sem elementos objetivos, a rejeição é medida de rigor.

Para as empresas, a decisão representa ganho de segurança jurídica. A possibilidade de indicar gestores intermediários como testemunhas, sem risco de exclusão sumária, amplia o leque de opções probatórias e favorece a preparação estratégica das audiências. Ao mesmo tempo, impõe-se o cuidado de mapear previamente quais cargos detêm efetiva autonomia de gestão, de modo a prevenir riscos de contradita bem-sucedida. Para a advocacia empresarial, a tese exige maior rigor técnico: a contradita deve vir acompanhada de fundamentos objetivos e concretos, sob pena de rejeição.

O Tema 307, em síntese, pacificou antiga divergência jurisprudencial e estabeleceu parâmetros mais racionais para a valoração da prova testemunhal. Ao afastar a presunção absoluta de suspeição, mas admitir a exclusão de depoimentos quando comprovada a ausência de isenção de ânimo, o TST promove equilíbrio entre a ampla defesa e a necessidade de preservar a credibilidade do processo. Para as empresas, trata-se de um avanço em direção à previsibilidade e à segurança jurídica, elementos indispensáveis à boa governança e à eficiência do contencioso trabalhista.

 

CONJUR

 

https://www.conjur.com.br/2025-out-10/tst-decide-alterar-uso-de-testemunhas-em-cargos-de-confianca/